quarta-feira, 9 de março de 2011

Mercado literário e formação de leitores


Rinaldo de Fernandes, escritor e professor do curso de Letras da UFPB tem como preocupação a ausência de um mercado para a literatura nordestina. Para isso, tem como ideia articular um encontro de escritores da região ainda este ano na Paraíba. Muito válida a inquietação, muito pertinente a reunião entre aqueles que publicam livros no nordeste e não têm as devidas distribuição e visibilidade.
De fato, carecemos de diálogos, fomentos de ideias e de práticas neste sentido. Apesar das possibilidades de divulgação do uso da internet globalizando no melhor sentido a projeção de nomes e projetos que estavam fadados ao anonimato sem essa ferramenta, ainda permanece na mente das editoras e por conseguinte da maior parte dos habilitantes (e mais lamentavelmente da mídia) do eixo Rio-São Paulo a visão caricaturesca, reducionista generalizada e simplista dos poetas e escritores nordestinos: aqueles são todos repentistas; estes, todos regionalistas.
Claro que temos representantes contemporâneos nordestinos que merecidamente conquistaram um lugar ao sol das grandes editoras sem precisar sair de estados como Paraíba, Pernambuco, Bahia, Ceará ou Alagoas, por exemplo. Mas é muito pouco. A organização com a finalidade de criação de um mercado voltado para o nordeste, de consequente expansão para as outras regiões, iria dar uma resposta a esse preconceito, firmando de forma ampla uma identidade plural da literatura produzida no nordeste brasileiro, feito que não poderia ser viabilizado sem a existência de editoras e de distribuidoras de porte. Sem dúvida, já tardam as movimentações neste sentido.
Rinaldo de Fernandes, Maria Valéria Rezende e Amador Ribeiro Neto: escritores preocupados com a formação de leitores no Brasil
Mas há um fato importante que prescinde a discussão em foco e que é tão pouco levado em conta: a formação de leitores. Sem esse objetivo, sem práticas que visem diminuir essa deficiência, toda a ação anterior terá pouco efeito. A escola tem, se a menor dúvida, papel relevante nesta difícil e longa empreitada até porque tem se mostrado deficiente ao longo do tempo. Com raras exceções, por má vontade ou por incompetência. Às vezes, as duas coisas juntas.
Uma das razões do fracasso está nos próprios professores de Língua Portuguesa e Literatura, que na sua imensa maioria não lê porque não gosta de lê. Como então seduzir os alunos para a prática da leitura se muitos deles são incapazes de passar isso? O resultado são ações insípidas, puramente burocráticas em que os alunos tomam lições chatas e fazem cansativos exercícios, preenchem questionários que dever ter, vale repetir, obrigatoriamente, respostas monossêmicas. Uma lástima, uma tristeza.
A deficiência da inexistente formação de leitor desses professores vem dos bancos escolares no ensino fundamental e médio, se arrastando com nula mudança nos cursos superiores para professores da disciplina. A propósito, vale lembrar uma curiosa boutade do poeta e professor da UFPB Amador Ribeiro Neto: “Quer irritar um estudante de Letras? Dê a ele um livro de presente!”
A escola está diante de um grande desafio. Para triunfar precisa antes de tudo identificar professores que amem a leitura. Na perspectiva da interdisciplinaridade, esses professores não precisam ser, necessariamente, das disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura. Professores de outras matérias podem ser referência em práticas pedagógicas dentro e fora das salas de aula. Os Parâmetros Curriculares Nacionais desenvolvidos pelo Ministério da Educação desde os fins do século que passou, com a perspectiva de letramento que a Linguística tem abraçado tanto ao longo desses anos há de certamente ajudar-nos a avançar.
A escola pode também incluir em seu planejamento objetivos e conteúdos que concretizem essa interdisciplinaridade visando a pratica e o incentivo à leitura. Pode avançar mais, pode identificar fora do contexto escolar ações particulares e coletivas com que possa interagir, somar. Práticas como a do Livro em Roda, de que participa a educadora popular e escritora Maria Valéria Rezende, é um bom exemplo.
E por falar em escritores, a escola pode requisitar-lhes a parceria em várias situações para que com seus relatos de experiência acrescentem elementos de sedução aos estudantes para o hábito da leitura. É tempo de a escola perceber a presença desses educadores em potencial e trazer-lhes para o seu seio, retirar-lhes do castelo de vidro em que mitologicamente costuma-se esquecê-los e alguns até, pasme-se, gostam de ali estar. Escritores, escritoras são homens e mulheres de carne e osso fáceis de encontrar nos supermercados, nas padarias, nos bares, nas paradas de ônibus. Levemos-lhes às salas de aula. Mediados por eles e elas, saraus, rodas de leitura, dinâmicas novas, podem podem propiciar a alunos e alunas o despertar para o ato de ler como um dos grandes prazeres da vida. Quem escreve livros e precisa viver do ofício da escrita também tem interesse direto na solução desse problema.

14 comentários:

  1. Oi, Mariano,
    Tive o privilégio de cursar Teoria da Literatura I com o Amador, Teoria da Literatura II com o Rinaldo, e de receber lições importantíssimas da Maria Valéria, no Clube do Conto. Maravilha!

    ResponderExcluir
  2. Todos referenciais para mim também, Késia. Pessoas com quem dialogo sempre e me acrescentam. Vamos nessa nessa discussão. Muita poesia, boa prosa no prazer da leitura.

    ResponderExcluir
  3. Belíssimo blogue! E que assunto precioso! Logo, logo estará nas listas de todo mundo. Vou recomendá-lo a todos os meus amigos.

    ResponderExcluir
  4. Poderia ser engraçado se não fosse trágico! Estou de acordo, a melhor forma de irritar um estudante de letras - leia-se "futuro professor de literatura" - é presenteá-lo com livros.
    Ótimo texto.

    ResponderExcluir
  5. É isso aí, meu poeta! Acho que o Rinaldo é mesmo o cara pra liderar uma estratégia de rompimento da barreira som para literatura que se escreve no Nordeste e em vários outros eixos do país! Estou, como sempre estive, cheia de idéias... adoro esse assiunto. Vamos em frente.

    ResponderExcluir
  6. belo texto, mariano. concordo contigo. tudo passa pela escola. infelizmente, não temos professores qualificados que despertem o gosto pela leitura. afinal, como vc disse, muitos deles não gostam de ler também. abraços

    ResponderExcluir
  7. L. Rafael, Valéria e Rinaldo. Essa é uma discussão básica, a da leitura, que deve estar ativada em todo o nosso imenso Brasil e não apenas regionalizada. Quando aos problemas de mercado literário e visibilidade, este forum pode ser chamado por outras regiões também fora do famoso Eixo.

    ResponderExcluir
  8. Excelente texto, meu caro. Assunto da maior importância esse. Muito feliz sua lembrança dos professores de outras áreas. Eu mesmo tive a sorte de ter alguns excelentes professores de Português e Literatura, mas lembro da vergonha que sentia, em sala de aula, com o mau uso da língua escrita e falada por muitos dos meus professores de Matemática e Física. Um forte abraço.

    ResponderExcluir
  9. Paulo, você traz à baila outra questão importante que é a formação de outros profissionais do magistério, muitos deles achando pouco importante outra formação que não a sua, inclusive o domínio da própria língua.

    ResponderExcluir
  10. Parabéns pelo texto, Mariano!
    Sou professora de futuros professores de literatura e amante de bons livros. No curso de Letras tem se discutido muito a necessidade, o prazer e o direto de ler. Em relação à irritar um estudante de Letras com um livro, acho que não os irrita, a questão é se lerão o livro presenteado ou não.

    ResponderExcluir
  11. É isso aí, poeta. esses assustos, finalemtne, estão deixando de ser tabu para os escritores. Acho que a internet é nossa grande arma. E a grande estratégia a ser pensada é mesmo a formação de leitores. abraço!

    ResponderExcluir
  12. Acho interessante que todos concordam que os professores da Educação básica não podem seduzir seus alunos para o prazer de ler porque eles não gostam de ler. Concordam também que os professores não gostam de ler porque não foram ensinados a gostar quando eram crianças e adolescentes. E todo mundo acha lindo dizer que estudantes de Letras (e demais licenciaturas) não gostam de ler e vão se tornar professores que não transmitem o prazer pela leitura. E blá bla blá... E a bola de neve vai aumentando.
    Quem pode quebrar esse ciclo? Se quem devia ensinar esse amor não o faz porque não aprendeu, porque deixá-lo sair da faculdade vazio como entrou?

    ResponderExcluir
  13. Gostei muito do teu blog! Parou de atualizar???

    ResponderExcluir
  14. Muito necessária esta ponte entre escritores e universidade. Em Porto Alegre, o Espaço Cultural Castelinho, em cada exposição ou evento literário, dedica o turno da tarde para a visitação do público em geral, mas reserva o turno da manhã para agendamento de escolas, desde as de ensino fundamental até faculdades de Letras e Artes. os frutos disso são muito compensadores: na exposição CODIGO COLETIVO, poesia projetada em qr code, vários onibus escolares cheinhos de jovens twitteiros "invadiram" o Castelo e sairam dali com poemas em seus celulares e microblogs. Conheceram mais de 100 poetas contemporâneos e adoraram a forma lúdica de ler poesia. Estive em João Pessoa com o Projeto Instante Estante, de incentivo à leitura, foram distribuídos 120 livros novos de poesia gratuitamente ao povo que passava pela Lagoa. O interesse atingiu leitores de todas as idades. Projetos de leitura fazem a diferenca. É um trabalho de formiguinha, mas com grandes resultados.

    ResponderExcluir